União com Deus em Santa Clara de Assis

Por Chiara Lubich

Santa Clara encontrou o seu caminho de união com Deus acima de tudo amando.

Ela fez a experiência da promessa de Jesus: «Quem me ama, será amado por meu Pai. Eu o amarei (…) e a ele iremos e nele estabeleceremos morada» (Jo 14, 21-23). A alma que ama, para Santa Clara, tornou-se morada de Deus e passou a ser, pela graça, maior do que o céu. Ela escreveu: «Pois os céus, com as outras criaturas, não podem conter o Criador: só a alma fiel é sua mansão e sede. E isso só pela caridade (…)»(1).

Segundo um autor da Legenda de Santa Clara(2), «a abundância da graça divina» esteve presente nela desde o seu nascimento. Mãe Hortolana estava para dar à luz; enquanto «rezava intensamente para o Crucifixo, pedindo proteção dos perigos do parto, escutou uma voz misteriosa que dizia: “Nada temas! Com felicidade serás mãe de uma filha. E essa filha há de aclarar o mundo inteiro com seu esplendor”».(3) Por isso, a recém-nascida se chamou Clara.

Crescendo – está escrito –, «gostava de cultivar a santa oração (…). Como não dispunha de contas para recitar os pais-nossos, usava muitas pedrinhas para numerar suas pequenas orações ao Senhor. » (4).

«Ela se enlevava no amor a Deus» (5)(…), e toda Assis falava da sua bondade. Ela tinha 18, 19 anos quando conheceu Francisco( 6). Conhecendo Francisco, Clara não só encontrou a resposta ao que buscava, ou seja, a união com Deus, mas esta explodiu com toda a sua intensidade. Santa Clara se sentiu amada por Deus com o mesmo amor que uma mãe ama a sua filha menor, e, desejando responder com o seu amor, escolheu Deus como único ideal de sua vida. Ela tinha preferência pelo amor a Ele e pelos seguintes modos de se chegar à união com Deus: a oração, a escuta da Palavra, o amor a Jesus pobre e crucificado, o amor por Jesus Eucaristia e a penitência.

Dizia-se que Santa Clara era assídua na oração dia e noite. Para ela, o estudo, o trabalho, a observância, tudo era uma santa atividade, fruto do amor.

E as irmãs testemunhavam: «Quando terminava a oração, seu rosto parecia mais claro e mais bonito que o Sol »(7).
Aliás, afirma-se que o Papa Gregório IX gostava de ir visitá-la «para ouvir dela celestes e divinos colóquios, pois era o sacrário do Espírito Santo»(8).

Experimentou a união com Deus também ouvindo a sua Palavra na pregação, da qual sentia grande sede. Irmã Inês Opórtulo contou uma visão que teve, enquanto ouvia com Santa Clara um sermão. Viu ao lado dela uma criança belíssima, de mais ou menos 3 anos, (…) e ouviu uma voz: «Eu estou no meio deles” (cfr. Mt 18,20), significando com isso que o menino era Jesus Cristo, que está no meio dos pregadores e dos ouvintes, quando estão atentos e ouvem como se deve a Palavra de Deus»(9).

Para a santa, o vértice da união com Deus era a experiência nupcial. Apresentou Cristo às irmãs como o esposo mais nobre, garantindo que as esposas do Cordeiro poderiam acompanhá-lo por onde Ele fosse.

“Cursando” a escola de Francisco, ela se apaixonou por Cristo crucificado e quis, por sua vez, que outras pessoas se apaixonassem por ele. Escreveu numa carta: «Contemple, minha nobilíssima rainha, o seu esposo – que se tornou, para que fosse salva o mais vil de todos (…) –, com o desejo de imitá-lo. Se você sofrer com Ele, com Ele vai reinar; se chorar com Ele, com Ele vai se alegrar; se morrer com Ele na cruz da tribulação, vai ter com Ele mansão celeste nos esplendores dos santos».(10) As dores físicas a enchiam de alegria.

Quanto a Jesus Eucaristia, no Processo testemunham que ela se confessava com freqüência e muitas vezes recebia o Santíssimo Sacramento tremendo(11).

Os Sarracenos, certa vez, entraram no mosteiro, e Clara rezou diante da Eucaristia para que protegesse as suas servas; «logo soou em seus ouvidos uma voz de menininho: “Eu sempre vos defenderei ”».(12)

Outra maneira experimentada pela Santa de Assis para chegar à união com Deus foi o caminho de penitência.

Os primeiros anos de século XIII foram caracterizados por uma “cultura da penitência”. Dava-se muito valor às atitudes exteriores de penitência: ao modo de se vestir, de jejuar, de mortificar-se fisicamente e o sofrimento era considerado como um valor em si.

Para São Francisco e Santa Clara, a penitência não era pela penitência, mas era um modo de seguir Jesus de forma mais radical, de imitá-lo por amor. Ele se humilhou, fez-se pobre, deixou-se flagelar, percorreu a via-sacra até morrer na cruz.

Para recordar os sofrimentos de Cristo, Clara não comia nem bebia nada durante três vezes por semana.

Tudo era bom para mortificar o corpo: as túnicas de tecido grosseiro, o cilício, dormir no chão com um travesseiro de pedra. Mais tarde, ela dormia numa esteira forrada com um pouco de palha.

Durante a doença, essa vida tão severa, que durou 29 anos, foi mitigada por São Francisco e pelo bispo de Assis, que a obrigaram a comer pelo menos «meio pedaço de pão por dia»(13).

E «mesmo em meio a mortificações, Clara conservava um aspecto alegre e sereno (…). Transbordava nela a santa felicidade que abundava em seu íntimo»(14), verdadeira novidade trazida por São Francisco e por Santa Clara no âmbito da experiência penitencial do tempo.

Clara sintetizava assim, para Irmã Inês, os efeitos experimentados, por quem segue Cristo crucificado: «Desse modo, também você vai experimentar o que sentem os amigos quando saboreiam a doçura escondida, que o próprio Deus reservou desde o início para os que o amam. »(15).

Caríssimos,
Santa Clara, seguindo o seu caminho, foi uma santa tão grande que a Igreja, na bula de canonização, faz-lhe um grande elogio: tudo é luz, tudo é luz. Luz para muitos e também para nós.
E o que Clara nos ensina?
Em primeiro lugar, ela nos ensina que, embora a nossa estrada seja bem diferente da sua, devemos vivê-la perfeitamente, sem nos pouparmos em nada.
Qual é a diferença entre os dois caminhos?
Santa Clara viveu no século XIII.
O caminho da unidade foi anunciado a nós pelo nosso carisma na primeira metade do século XX, se prolongará no Terceiro Milênio e irá mais além…
Séculos e séculos, portanto, dividem as duas estradas; no entanto, uma e outra estão em sintonia com o próprio tempo.
Quando Santa Clara viveu, estava no auge a vida retirada. Clara fundou conventos e conventos. Era um estilo de viver o cristianismo, que ainda hoje e sempre será seguido. Os leigos, que permaneciam no mundo, não tinham um destaque particular na Igreja, pelo contrário! Essa situação perdurou por muitos séculos.
Mas o tempo avança e a Igreja segue o ritmo do tempo.
O nosso século é caracterizado por ter, como protagonista, o laicato, que Deus enobrece e coloca em relevo, enriquecendo-o de carismas.
A Igreja toma consciência de si como Corpo místico de Cristo e como Povo de Deus. Jesus indicou o lugar em que este povo deve viver: o mundo. «Não peço que os tire do mundo, mas que os proteja do maligno» (Jo 17,15).

O mundo é, porém, um ambiente caracterizado pela necessidade de viver, o dia inteiro, em contato com outros homens, mulheres, adultos e jovens, quer tenham a nossa fé ou não.

É um mundo, onde o discípulo de Jesus, circundado por pessoas e não por paredes, deve encontrar o relacionamento justo com todos para poder chegar à própria realização.

Jesus, não querendo tirar o cristão do mundo, apresenta-lhe exatamente o irmão, não só como companheiro de viagem, mas até mesmo como caminho para a união com Deus.

Falamos sobre isso de modo aprofundado no ano passado.

O nosso caminho é totalmente diferente. Ele era desconhecido pelos santos, como Santa Clara, que, ainda assim, também sabia reconhecer Jesus nos irmãos e manter um constante amor recíproco na comunidade das irmãs.

Vimos que nós também podemos encontrar a união, vivendo com fidelidade as nossas práticas de piedade.

Também para nós, a vida de comunhão com Jesus Eucaristia nas nossas capelas, por exemplo, é fonte de união com Deus, e a Palavra, não só ouvida, mas praticada, é fonte de alegria, fruto da união com Deus, por meio da qual se reconhecem os focolarinos.

Também nós encontramos a união com Deus amando o Crucificado e, particularmente, o Abandonado, elemento da nossa penitência.

A união com Deus é plenitude de alegria graças à alquimia que conhecemos.

Todavia o que é e será sempre característico do nosso caminho, é o amor ao irmão, que tem como medida o mandamento novo de Jesus.

Amor ao irmão que, se correspondido, é Paraíso para a alma; e, se não, é purgatório antecipado, a nossa típica penitência que devemos amar até o fim.

É por amor ao irmão que temos a possibilidade de contribuir na realização do plano de Deus para a humanidade: uma única família, com Deus como Pai, a fraternidade universal.

Podemos fazê-lo, pois o amor é uma tal potência que atrai o Irmão por excelência entre nós: Jesus no nosso meio.

Pelo menos do nosso ponto de vista, que caminho melhor para chegar a Deus, para nos unirmos a Ele do que esse que chega até Aquele que é o caminho por excelência? «Eu sou o caminho» (Jo 14, 6), Jesus disse.

É Ele o objetivo do nosso morrer a nós mesmos que realizamos no cotidiano, do nosso viver diário.

Agradeçamos a Santa Clara pelo exemplo luminoso de fidelidade ao chamado de Deus que ela nos deu, ao seguir o seu caminho, e peçamos-lhe, nesta sua festa, que doe também a nós a possibilidade de atingir, como ela, a perfeição, a santidade. E, possivelmente, a santidade coletiva, de povo.

Tradução de Iracema Amaral, Escritório de Tradução, 11/08/2004

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(1) 3 Carta, 10-26; FF. 2887-2893; http://san-francesco.org/santachiara/lettereagnese_pt.html#3;
(2) Um de volta em sua vida (NDT);
(3) http://www.sca.org.br/biografias/bsc17.htm;
(4) Cf. Legenda Sta Clara; O FF FF 3158 3159 / nota de rodapé 11; http://san-francesco.org/santachiara/leggenda_pt.html;
(5) processador, 11, 5; FF: 3084;
(6) A lenda 4; FF: 3161;
(7) processador 2, 10: 3, 3; The FF 2953-2969; http://san-francesco.org/santachiara/cano1_pt.html#2;
(8) O ato de Francisco e seus associados, Paris 1902, c. 43, pág. 136;
(9) processador 10, 8; FF: 3076; http://san-francesco.org/santachiara/cano2_pt.html#10;
(10) II Carta 20; Ff:2879; http://san-francesco.org/santachiara/lettereagnese_pt.html#2;
(11) Cf. Processo FF: 2954;
(12) Legenda 22 FF: 3202; http://san-francesco.org/santachiara/leggenda_pt.html;
(13) Cf. Processo II, III, IV;
(14) Vida, 18; FF: 3196;
(15) III Carta 14; FF: 2889; http://san-francesco.org/santachiara/lettereagnese_pt.html#3;

Fonte: Franciscanos.org